Baú de Memórias #5 – Meta, triunfo e rasteira
Chegamos à Meta, não meta no sentido de resultado final de um projeto, mas o empreendimento que deveria ter sido (minha cabeça à época) meu futuro e aposentadoria, afinal tinha total confiança nisso. Mas, a vida tem seus percalços… Vamos lá saber?
Meta, triunfo e rasteira
Naquele emprego na antiga Elmo Contabilidade criei várias amizades, aliás, uma marca e determinação minha, de vida: fazer amigos. Quando não dá, não dá né, mas a gente tem que tentar. Entre saídas para botecos para tomar uma gelada (umas), eis que um dos sócios do escritório propõe uma ideia. Vamos abrir o nosso escritório? Cada um aqui conhece de uma coisa, e eu não ganho o que mereço lá, só tenho uma pequena participação. Assim começou a conversa que levou à fundação da Meta Organização Contábil em 1991. A ideia era que ele sairia, faria uma saída amigável, e investiria, enquanto os outros três pagariam aos poucos a ele o valor para abrir a empresa.
Mas, como nada é assim tão simples… Planejamos tudo, muita conversa. Eu acertei o nome: Meta. Um cuidaria da contabilidade, outro da escrita fiscal, folha de pagamento, e eu seria o atendimento, marketing, essas coisas. Conforme o combinado, um a um todos foram saindo. O penúltimo foi o sócio, uma saída nem tão amigável. Eu, o mais ferradinho da turma (rs) fiquei até fevereiro de 1991. Antes, fui convidado pelo sócio majoritário, seu Carlos, a ser sócio… minoritário e cuidar de uma nova área, condomínios. Como sou leal, é outra marca da minha persona, fiquei com os colegas.
Alugamos uma sala no final da rua Max Colin, ao lado de um bar. Pensa. O nosso modelo de negócios seria inovador. Abriria das 7h às 19h sem fechar para almoço, tudo para dar tempo cliente de ser atendido – afinal, empreendedor tem vida corrida. Tudo certo, não fosse por um detalhe, cadê a grana? A saída do ex-sócio minoritário da Elmo não aconteceu como previsto, e a grana não apareceu… Corremos a um banco, tentativa final. E não é que o gerente acolheu nossa ideia e necessidade? Liberou a grana para pagar juros em 12 meses, e as parcelas a partir de 12 meses. Ueba! Compramos mesas, máquina de datilografia, de somar, etc. Lá nasceu a Meta, seria minha aposentadoria… seria.
Como todo negócio novo, tem dificuldades em ganhar espaço. Como demorava para ganharmos clientes e o faturamento gerar alguma renda para todos, um logo desistiu. Ficamos em três e seguimos. Fui um homem de marketing competente, patrocinamos até o famoso programa de rádio “Almoço à Brasileira”, e fomos ganhando clientes, sem baixar preços, ofertando atendimento de excelência. Quando conquistamos uma conta importante da área química, subimos de patamar. Mudamos de sala e fomos para uma casa na mesma rua, mas próximo da antiga Prefeitura de Joinville (SC). Um salto respeitável. De tanto estresse tive problemas estomacais sérios. Nossos almoços eram pão com bife e ovo, muito óleo, quase todo dia. Economia né. À noite, cerveja e cigarros. Só podia dar problema.
Resultados bons, mais clientes, resolvi casar no início de 1992. Terminamos 1991 com lucro legal, e dava para assumir um novo momento de vida. Os meus sócios foram testemunhas, fiz uma pequena casa de madeira com quatro cômodos atrás da casa onde morava com minha mãe e meu irmão. Eis que coisas estranhas começaram a acontecer na sociedade. Os outros dois sócios já não dialogavam, saíam a sós – aí já tinham namoradas dos dois trabalhando, e um funcionário que recebia mais que a gente…eheheh, normal – e eu seguia minha vida mais regrada, saía para almoçar normal, minha gastrite exigia. Aliás fui a um médico que me deu a maior lição de vida, e decidi seguir seus ensinamentos. Sem isso nem sei se ainda estaria por aqui, porque a coisa no estômago era terrível!
O Collor com o seu PC Farias já estava no caminho do impeachment – Brasilzão sendo Brasilzão né – e eis que um dia aparece um advogado e diz que precisa falar comigo. Achei estranho, mas fomos a uma sala reservada, nosso refeitório na verdade. Ele apresenta uma carta dos meus sócios com uma proposta – indecente – para que eu saísse da empresa. Fiquei chocado, sem palavras. Trabalhávamos a metros uns dos outros, nunca falávamos sobre isso. Este advogado – bem famoso na cidade até hoje em entidade de classe, sociedade centenária… – foi direto, frio. O valor escrito no papel era ridículo, baseado em capital social da empresa limitada que dava legalidade à nossa sociedade, mas não representava o valor real.
Saí imediatamente, atordoado. Não sabia para onde ir, o que fazer, era um garoto de 24 anos recém casado que acabara de ficar sem empresa, sem salários, e muitas contas a pagar. Meus sócios ficaram incomunicáveis. Durante dois dias pensei no que fazer. Decidir voltar à empresa, tinha que ter outra solução. Sentei à minha mesa que era a cara da coisa toda, quem chegasse falava comigo. Os agora ex-sócios sequer falaram comigo. Eu falei, até saio, mas sem golpes, quero o valor justo. Voltei no segundo dia. Toca o telefone, o advogado, aquele. Ameaça explícita de ou sai ou alguém sai contigo daí. E saia prá valer disse ele, com uma ameaça explícita de morte. Fiquei com receio da minha integridade física, estava lidando com bandidos.
Lembrei então de um policial civil que conheci nos tempos do bar do meu pai. Sempre o atendi lá, liguei e me disseram que ele estava na delegacia do bairro aonde a empresa ficava. Fui até ele, contei tudo. Ele ficou mais bravo que eu imaginava. Pediu para eu entrar na viatura com ele. Seguimos até a Meta, e ele disse: se você quiser, entramos lá, e eles te pagam hoje agora. Mostrou arma, distintivo… Pensei alguns segundos, e decidi não fazer algo que poderia me arrepender depois. O policial estava para tudo ou nada, vai que … Penso que tomei a melhor decisão. Voltamos à delegacia, fiz boletim de ocorrência de tudo. Busquei apoio de um advogado que cuidava de problemas do meu pai, o doutor Adauto, também famoso.
Ele ligou na minha frente ao advogado dos ex-sócios. Falou sobre regras da “loja”, etc. Pediram uma semana. Fizeram uma proposta bem melhor que a no papel meses antes. Recebi em três vezes. Usei para pagar a quem devia, dinheiro acabou. Desanimado, amedrontado ainda com as ameaças, vi Collor ser cassado, Itamar Franco assumir. Perdi também outra referência em minha vida, a dona Alcina Ribeiro, a Táta, a quem considero minha segunda mãe. A casa dela foi meu lar verdadeiro por muito tempo. Perdia então muitas coisas em poucos meses. Sonhos, projetos, todos ficaram no chão. Ficou em mim o espírito empreendedor, a tristeza da traição de amigos, e a certeza de que precisava continuar a remar.
** tinha muito ainda a contar deste episódio, mas daria um livro, e aqui não cabe. Foi um Natal triste aquele de 1992.
Por Salvador Neto